ILUSTRÍSSIMA SENHORITA MINHA FILHA
CAROLINE CANOZZI BITTENCOURT, também denominada mãe da Mari e/ou
Tchaca Rol, vem, respeitosa e carinhosamente, falando em nome de seu coração,
órgão desprovido de voz e gestos próprios, à presença de Vossa Senhoria, apresentar
esta DECLARAÇÃO DE AMOR ETERNO E CONFIANÇA
E ORGULHO INCONDICIONAIS pelos fatos e fundamentos que passa a expor:
Tudo começou em 1994, ano em que o Brasil se tornou Tetracampeão
Mundial de Futebol e que Ayrton Senna, então o maior ídolo nacional, não
resistiu a um acidente fatal.
Era época pré-internet e redes sociais, e o mundo de um adolescente
se resumia a sua família, amigos de escola e agregados.
Foi então que a Autora, então com 14 anos de idade, descobriu-se
gerando um bebê, o que causou alguma (mas não muita) surpresa em seu meio
social.
Considerando que tal fato não se tratava exatamente de uma novidade
na família da Autora, não houve sobressaltos ou desesperos.
Passado o impacto inicial, a gestação foi encarada com tranqüilidade
por todos, principalmente pela Autora, que desde então acreditou ser
predestinada para a maternidade precoce.
Enquanto organizava-se uma bolsa de apostas sobre qual seria o
sexo do bebê, a Autora se esquivava de responder aos questionamentos acerca de
sua intuição, temendo equivocar-se e preterir a opção correta. No entanto,
intimamente, soube desde o princípio que se tratava de uma menina.
Após os festejos pelos 15 anos da Autora, em uma festa tida por
muitos como a melhor comemoração do gênero naquela temporada, na qual a Autora
começou a noite com um elegante vestido de veludo e crepe azul marinho, substituído
poucas horas depois pelo indefectível macacão jeans, todas as atenções se voltaram
exclusivamente à preparação para a chegada do bebê.
Na noite do dia 25 de setembro, então, um domingo abafado e
chuvoso, no momento em que milhares de pessoas no país assistiam ao Fantástico
na TV, a Autora foi protagonista do fantástico milagre da vida, deixando,
contudo, de ser protagonista de sua própria existência.
Naquela noite, veio ao mundo sua tão esperada e já amada filha, a
quem foi dado o nome de Mariana, por ser o nome mais bonito que a Autora então
conhecia, opinião esta que perdura até os dias de hoje.
Pois Mariana nasceu saudável, pequena e delicada, enchendo de
alegria a todos que a aguardavam lotando o nono andar do Hospital São Lucas da
PUCRS.
A Autora não conseguiu fechar os olhos durante a madrugada que se
seguiu, parte por temor de não acordar em razão de eventual protesto do pequeno
ser que repousava a seu lado, parte por absoluto encantamento diante da
concretização da imagem por meses imaginada.
Mal sabia a Autora, no entanto, que aquela seria a última noite em
muitos e muitos meses em que poderia ter desfrutado de sono ininterrupto, pois
a partir de então se iniciou uma seqüência de madrugadas insones, nas quais
Mariana solicitava atenção e alimentação constantes.
Tais exigências, entretanto, não causavam descontentamento algum.
Pelo contrário, eram atendidas com paciência e dedicação extremas,
surpreendendo a todos aqueles que duvidavam da capacidade da então adolescente
de dar conta de suas novas atribuições.
Apesar de não ter sido um período fácil, jamais houve reclamações
ou arrependimentos, pois a felicidade que a Autora sentia em ser mãe de Mariana
superava qualquer dificuldade porventura sofrida.
A menina foi crescendo e evoluindo da melhor forma possível,
saudável, meiga, inteligente, simpática e linda, encantando a todos a sua
volta, sem que jamais tenha provocado decepções ou maiores angústias em sua
família, salvo aquelas inerentes às preocupações normalmente sentidas.
Sempre se mostrou compreensiva e companheira, interessando-se
pelos assuntos e pelas pessoas que a cercavam, não tendo sucumbido nem mesmo
quando do nascimento de seu irmão, fato este que costuma ensejar dissabores e
rivalidade em grande parte das famílias, mas não na da Autora.
Com o passar do tempo, Mariana foi aprimorando suas características,
moldando sua personalidade e amadurecendo de forma serena e equilibrada, mesmo
quando fatos não desejados vieram a ocorrer, diante dos quais reagiu da forma
tranqüila que lhe é peculiar, não sem certa dose de eventual e normal
dramatização, pois se trata de ser humano portador de sangue e coração, por
mais que costume aparentar tratar-se de ser superior.
Ao longo da vida, mostrou-se amiga leal, bailarina excepcionalmente
graciosa, aluna responsável, irmã cuidadosa, neta e sobrinha carinhosa, filha
exemplar e pessoa equilibrada, consciente de seu papel em seu meio e no mundo,
engajada em fazer sua parte para que as relações se tornem cada vez mais
harmônicas e satisfatórias.
Prestes a encerrar uma importante etapa e iniciar uma outra, ainda
mais relevante, pois delineará o contorno de sua vida adulta e profissional,
Mariana vem enchendo sua mãe, ora Autora, de sensações complementares e, por
vezes, contraditórias de orgulho e preocupação.
Cabe ressaltar que não se trata de ausência de confiança em sua
capacidade de definir metas e traçar os respectivos caminhos, mas apenas receio
de que ao soltar as bordas da cerca de proteção que a acompanha há mais de 17
anos, Mariana venha a se ferir com as pedras e os buracos que a estrada que a
espera possam apresentar, sem que a Autora esteja suficientemente próxima para que
a socorra com a presteza necessária.
Muito embora a Autora tenha conhecimento de que a vida é feita de
acertos e erros e de que não há crescimento sem sofrimento e desilusões,
mostra-se extremamente penosa a tarefa de permitir que sua filha tome as rédeas
da própria vida e se responsabilize pelas escolhas iminentes, principalmente
diante da longa viagem de estudos vindoura, situação que tem provocado constantes
calafrios camuflados de empolgação.
Cabe à Autora, neste momento, bem como nos demais momentos em que
se depara com a chance de proporcionar e estimular experiências singulares a
Mariana, assim como dedemonstrar a confiança na capacidade de discernimento de
sua primogênita e na educação por si alicerçada ao longo dos últimos 17 anos,
entregar à sua filha a titularidade de sua própria vida por meio da presente
Declaração de Amor Eterno e Confiança e Orgulho Incondicionais, acompanhada das
recomendações de praxe, o que faz de forma solene, mas não menos amorosa.
DOS FUNDAMENTOS
O Manual das Mães, devidamente registrado no Tabelionato do Senso
Comum e Consciente Coletivo, assim dispõe:
Parágrafo 2º. A permanente tentativa de cumprimento também poderá implicar em culpa eterna e incurável.
Sendo assim, é atribuição exclusiva e intransferível da Autora o
compromisso de proporcionar a sua filha todos os elementos necessários à
concretização de seus projetos e busca pela realização e felicidade, sob pena
de ser atingida pelo doloroso peso da culpa materna, sabidamente inafastável,
mas objeto de constante fuga.
Resta à Autora, portanto, conformar-se com a diminuição de sua
área de atuação nas esferas de controle e interferência na vida da filha, dando
a esta a possibilidade de desenvolver-se de forma livre, consciente e
responsável, tudo graças ao sistema de confiança até então desenvolvido,
segundo o qual todo e qualquer assunto pode ser abordado abertamente, em que
pese alguns tópicos ensejem certa polêmica.
Enquanto isso, caberá à filha a assunção do bastão de titular de
sua própria vida, bem como o compromisso com o aumento do senso de
auto-responsabilização pelas escolhas feitas a partir de então, ficando ciente,
desde já, que em caso de apuros poderá acionar a Autora para lamentar-se e
solicitar auxílio, sem necessariamente esperar por soluções mágicas, as quais
não são passíveis de disponibilização instantânea.
Por fim, a Autora declara-se absolutamente confiante na capacidade
da filha na direção de seus atos, mostrando-se ainda imensamente orgulhosa
diante do empenho argumentativo verificado em diversas situações já vividas por
ambas, razões pelas quais reitera todo seu amor à pessoa que ocupa posição
inabalável no coração materno.
DOS PEDIDOS
DIANTE DO EXPOSTO, REQUER:
b) o reconhecimento por parte de Vossa Senhoria de que a Autora
não toma atitude alguma sem ponderar sobre as conseqüências sobre seus filhos,
e que eventuais equívocos serão objeto de incessantes tentativas de correção;
c) que a presente declaração sirva como base de apoio para as
atitudes a ser tomadas a partir de então, restando à filha o compromisso de
zelar por sua segurança acima de tudo, sob pena de cassação dos poderes agora
conferidos, mesmo após a maioridade civil;
d) a continuidade da relação de amor e confiança sempre mantida
entre mãe e filha, com a certeza de que independentemente de compromissos, promessas
e declarações, nada será capaz de abalar os vínculos ou romper os laços mais
fortes já experimentados pela Autora, sem os quais não haveria razão para
continuar vivendo.
Dá-se à causa o infinito valor do amor.
Nestes termos, pede e espera deferimento.
Porto Alegre, 06 de dezembro de 2011.
Caroline Canozzi Bittencourt, Mãe
Amei! Quanta inspiração hein Carol....Parabéns! Beijos da Ica
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